PLANO DE CARGO, CARREIRA E SALÁRIO NO CONTEXTO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - SUAS DO PARANÁ - PARTE III

Entram-se muitos pela boca do funil na esperança de sair por cima
Nota: A figura representa o modelo tradicional de carreira vertical: muitos entram pela boca do funil por baixo na esperança de “sair por cima” como “chefe máximo” da organização (presidente, diretor, CEO, secretário, ministro …). Entram para ocupar um cargo de conhecimento específico (advogado, psicólogo …) ou operacional e sonham em sair com um cargo de administrador (presidente …). Infelizmente neste modelo apenas 1 sairá por cima e pode ser alguém de fora que se quer entrou pela boca do funil.

RESUMO: NÃO EXISTE CARREIRA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Não queria que fosse verdade, mas é. Existe progressão salarial desconexa de progressão de responsabilidades (carreira). A maioria dos funcionários públicos não fugiria das responsabilidades se estas viessem acompanhadas da sua progressão salarial. Na verdade para muitos estas responsabilidades seriam sinônimo de autorrealização (estou entre estes).



... dois dos componentes mais importantes da gestão do fator humano, em razão da quantidade de variáveis que envolvem e da potencialidade de causar ou evitar problemas, são a remuneração e a carreira.” (RESENDE, 1999, p. 3). Rotatividade, insatisfação, greves, desmotivação, comodismo, falta de proatividade, baixo desempenho são alguns dos problemas relacionados diretamente a inexistência ou práticas e políticas de carreira sem qualidade. Por outro lado uma política de carreira bem estruturada e integrada com outros instrumentos e processos de trabalho da gestão de pessoas possibilitam a potencialização de talentos e competências, o alinhamento de interesses e necessidades pessoais com as necessidades e objetivos organizacionais, o foco em resultados e no cidadão-usuário, a melhoria da qualidade dos serviços e ações realizadas, a potencialização dos investimentos em capacitação, clima organizacional elevado e equidade salarial (PONTES, 1987, p. 200; RESENDE, 1999, p. 10).

Estabelecer políticas e práticas de gestão de carreira com qualidade envolve alguns desafios e variáveis, o primeiro deles é compreender o conceito de carreira separado da discussão de progressão ou promoção salarial, apesar de estarem integrados.

Carreira para Pontes (1987, p. 202) é a “sucessão de cargos ocupados por um indivíduo em sua vida profissional”. Essa sucessão de cargos pode envolver responsabilidades e requisitos progressivos ou regressivos na linha do tempo. Dentro de uma mesma organização, preferencialmente, a carreira deve ser progressiva. Neste conceito de Pontes fica evidente que carreira não é aumento de salário e sim aumento de responsabilidades, que por princípio de equidade exige aumento de salário. Para este mesmo autor plano de carreira é “... o instrumento que define as trajetórias de carreiras...” (Ibid, p. 202).

Para Dutra (1996, apud LIMA; SILVA; CALVOSA, 2011, p.4) carreira é “... sequência de posições e de trabalhos realizados pelas pessoas. Essa sequência articulada de forma a conciliar o desenvolvimento das pessoas com o desenvolvimento da empresa [organização] é o que chamamos de carreira.” Dutra complementa o conceito trazido por Pontes ao inserir nele o principal objetivo de um plano de carreira: desenvolvimento profissional e pessoal. Progressão ou promoção salarial por si só não produzem este objetivo e nem derivam, necessariamente, do desenvolvimento profissional e pessoal.

A comparação presente neste capítulo entre carreira e progressão ou promoção salarial se faz necessária em função da inexistência do elemento carreira nos PCCS dos governos federal, estadual e municipais. A ONG internacional para o Desenvolvimento Econômico – OCDE ao avaliar a Gestão de Recursos Humanos no Governo Federal do Brasil em 2010 também chegou a esta conclusão: o termo carreira nos PCCS é apenas modismo. “A única forma de progressão disponível na maioria das carreiras é o movimento de crescimento da escala de salário. Esta não é nenhuma progressão de carreira no sentido correto do termo.” (OCDE, 2010, p. 159). “Sistemas mais fortemente baseados na carreira, como na Irlanda e no Japão (...). Diferentemente do atual sistema de níveis de remuneração nas carreiras no Brasil, os níveis de promoção implicam no aumento dos níveis de responsabilidade...” (Ibid, p. 170).

O “Plano de Carreiras” do QPPE do Governo do Paraná é composto por 12 referências de progressão salarial e 3 classes de promoção salarial, totalizando 36 níveis de trajetória salarial. Os critérios utilizados serão debatidos no capítulo 2.3. Salários, no entanto nenhum deles está relacionado a aumento de responsabilidades. O psicólogo entra ocupando determinadas responsabilidades e se aposenta tendo, perante a lei, as mesmas responsabilidades de quando foi nomeado, no entanto o salário pode ter passado por uma amplitude de 276,54%, diferença entre a classe III referência 1, para classe I referência 12 do “cargo” agente profissional.

Trilhar uma carreira é ocupar responsabilidades progressivas na linha do tempo, não necessariamente em cargos diferentes – o que seria inviável legalmente, nem tão pouco ocupando cargos gerenciais – o que seria inviável operacionalmente; muitos interessados e poucas vagas. No mais nas organizações públicas os cargos gerenciais são políticos de livre provimento, inviabilizando quase que totalmente a possibilidade de carreira.

Para solucionar as restrições e inviabilidades das carreiras verticais foram formuladas teorias de carreiras horizontais e combinações destas com aquelas, uma delas a CARREIRA EM Y, dividida em carreira técnica com especialização de responsabilidades e carreira gerencial com generalização de responsabilidades (LIBERA, 2011, p. 1-2). Essas duas ramificações da carreira surgiu em função da diferença da natureza dos cargos gerenciais para os cargos técnicos quanto aos conhecimentos, habilidades e atitudes (competências) necessárias a realização satisfatória de suas responsabilidades. Também é um movimento de reconhecer as diferenças quanto a interesses e necessidades dos trabalhadores. “Da necessidade de utilizar o melhor de cada um surgiu o conceito de carreira em y (...), um sistema de promoção cujas ramificações representam evoluções hierárquicas paralelas em um eixo de gestão e um eixo técnico especialista.” (LIBERA, 2011, p. 2)

A lei que institui o QPPE do Governo do Paraná não prevê trajetórias de carreira, no entanto existem práticas ao promover um funcionário de carreira a cargos em comissão. A promoção pode tanto ser gerencial, quando o funcionário assume a chefia de coordenações, grupos, setores ou divisões, quanto técnica, quando o funcionário apesar de receber um cargo em comissão presta apenas assessoria técnica e política. Existem práticas, não existem é critérios explícitos em normativas e legislações. Os cargos em comissão são de livre provimento e estão dentro do poder discricionário dos agentes públicos, poder que não está acima dos princípios constitucionais da eficiência e racionalidade, nem tão difíceis de serem avaliados em tais práticas (HACH, 2008, p. 39).

Vale ponderar que apesar de existir indícios de carreira em y no Governo do Paraná, os salários mais altos são direcionados a carreira gerencial. Fato que provoca o interesse quase unânime entre os funcionários por este tipo de carreira, sintoma de práticas de carreira vertical. O psicólogo de alto desempenho em suas atribuições de especialista na temática psicologia se vê tentado a seguir carreira de gestor (administrador), onde a exigência em conhecimentos, habilidades e atitudes serão distintas das que o consagrou como um bom psicólogo, tudo em função de práticas de gestão de carreira que privilegia os cargos em comissão de chefia com salários, status, poder e reconhecimento acima dos demais.

A carreira vertical pode apresentar efeitos negativos, a saber (LIBERA, 2011, p. 2; RESENDE, 1999, p. 14):
a) limitações em relação as possibilidades de acesso;
b) dificuldades de auto-realização e sustentação no cargo de trabalhadores com perfis muito técnicos;
c) desperdício de competências técnicas alocadas em cargos gerenciais e vice-versa.

Estabelecer um plano de carreira por si só não garante que os objetivos deste instrumento sejam alcançados. A qualidade do plano de carreira e de sua efetiva implementação é que determinarão estes objetivos. A qualidade deste instrumento pode ser avaliada através de:

a) critérios equitativos, transparentes, racionais, eficientes e eficazes para progressão, promoção e movimentação na carreira;
b) alinhamento com o Plano Municipal de Assistência Social e outros instrumentos de planejamento estratégico;
c) integração com o sistema de recompensa (salários), avaliação de desempenho, instrumentos e processos de desenvolvimento profissional (capacitação, coaching, mentoring, formação de líderes).

Os critérios para progressão, promoção e movimentação na carreira visam dar transparência, racionalidade e equidade na alocação de um determinado servidor a um novo cargo ou a um novo conjunto de responsabilidades dentro de um mesmo cargo, ou, ainda, o mesmo cargo e as mesmas responsabilidades no entanto aplicadas em um contexto diferente (setor, coordenação).

Requisitos exigidos pelos cargos sucessórios na trajetória de carreira são, ou deveriam ser, os principais critérios para progressão ou promoção de um servidor. Dentre os requisitos, já discutidos no capítulo 2.1. Cargos, destaca-se o item habilidade, uma vez que a capacidade de entrega, de produzir resultados é uma habilidade que pode ser mensurada com racionalidade, transparência e equidade através do processo de avaliação de desempenho. A habilidade de produzir resultados deriva de conhecimentos aplicados com sucesso sobre o objeto de trabalho do cargo, mais atitudes e comportamentos que assim permitiram o resultado alcançado.

Devem-se evitar critérios subjetivos, difíceis de serem mensurados, ou que permitem inclusive injustiças ou práticas de perseguição por chefes. Devem-se evitar, principalmente, critérios que levam a escolha de pessoas a serem promovidas que não agregam valor a organização. “Se atentarmos bem para a questão, verificaremos que tempo de casa, assiduidade, pontualidade e dedicação, por exemplo – critérios ainda predominantes de diferenciação salarial (...) – não garantem que as pessoas tenham melhor desempenho ou agreguem mais valores às suas organizações” (RESENDE, 1999, p. 6).

Os critérios de progressão e promoção devem permitir tanto o reconhecimento sobre os resultados, comportamentos e atitudes do PASSADO, quanto as possibilidades de desenvolvimento profissional e organizacional para o FUTURO, alinhados com os requisitos dos cargos a serem ocupados.

Mesmo critérios como o conhecimento devem ser ponderados com outros. No QPPE do Governo do Paraná o servidor de nível superior recebe um nível de progressão salarial para cada 180 horas de certificados apresentados relacionados ao seu trabalho a cada 4 anos. Critério que provoca uma corrida por certificados. Possuir certificado não significa possuir conhecimento. No entanto, mais uma vez, possuir conhecimento, que já é melhor do que apenas possuir certificado, não garante por si só a obtenção de resultados para a organização ou desempenho melhor nas atribuições do cargo. Conhecimento, habilidade e atitudes pessoais somados ao ambiente organizacional propício, mais condições externas a organização é que permitirão o desenvolvimento profissional e organizacional, objetivo fim de um plano de carreira.

A qualidade de um plano de carreira está em estabelecer critérios com assertividade e aplicá-los com coerência no dia-a-dia, através de processos de avaliação de desempenho pessoal e organizacional – dimensão do passado – e processos de certificação de conhecimentos, habilidades e atitudes – dimensão do futuro (RESENDE, 1999, p. 62). No processo de certificação destacam-se as provas de conhecimento e os testes de habilidades. Os desafios para as organizações públicas é implementar estes processos com o mínimo de dispêndio de recursos, utilizando-se da tecnologia da informação.

O processo de avaliação de desempenho neste contexto faz parte de um conjunto de facilitadores organizacionais para a progressão ou promoção na carreira, por consequência o desenvolvimento profissional. Logo tem que estar integrado a outros facilitadores como coaching, mentoring, capacitação, formação de líderes, condições de trabalho fornecidas pelas organizações quanto a estrutura física e tecnológica, comunicação, liderança, relacionamentos, higiene, segurança, saúde, clima organizacional, remuneração com equidade interna e externa (KNAPIK, 2008, p. 184).

Ao elencar facilitadores organizacionais para progressão ou promoção na carreira, afirma-se que a responsabilidade pelo desenvolvimento profissional é compartilhada entre o servidor e a organização (PONTES, 1987, p. 201).


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BRASIL. Lei nº 12.435 (2011). Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Brasília, DF, 2011.
CHIAVENATO, I. Recursos Humanos: edição compacta. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
CHIAVENATO, I. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Resolução nº 17 (2011). Ratifica as Equipes de Referência da NOB/RH. Brasília, DF, 2011.
GURJÃO, P. Banco de Potenciais Humanos: gestão estratégica de RH. São Paulo: Editora Gente, 1996.
HACK, É. Noções Preliminares de Direito Administrativo e Direito Tributário. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. Curitiba: IBPEX, 2008.
KNAPIK, J. Gestão de Pessoas e Talentos. 2 ed. Curitiba: IBPEX, 2008.
LIBERA, M. C. D. Carreira em Y e Retenção de Talentos: reconhecer as diferenças entre especialistas e generalistas contribui para atração e retenção de talentos. Revista BSP. São Paulo, v. 2, n. 2, jul. 2011.
LIMA, R. O. F; SILVA, E. P; CALVOSA, M. V. D. Uma Visão sobre Carreira dentro da Estrutura Organizacional em Redes. Revista Cadernos de Administração da UFRRJ. Rio de Janeiro, v.1, n. 2, jul-dez 2008.
MENDIETA, M. V; MATUTE, E. D. P. Manual de Gestión de Recursos Humanos en las Administraciones Públicas. Madrid: Tecnos, 1997.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME. Censo SUAS 2010. Brasília, 2011.
ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE; MINISTÉRIO DO ORÇAMENTO, PLANEJAMENTO E GESTÃO. Relatório OCDE: Brasil 2010. Brasília, 2010.
PARANÁ. Lei nº 13666 (2002). Institui o Quadro Próprio do Poder Executivo. Curitiba, PR, 2002.
PONTES, B. R. Administração de Cargos e Salários. São Paulo: LTr, 1987.
RESENDE, E. Remuneração e Carreira Baseadas em Competências e Habilidades. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.



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