PLANO DE CARGO, CARREIRA E SALÁRIO NO CONTEXTO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - SUAS DO PARANÁ - PARTE II

O desenho de cargos como resposta a falta de profissionais
Nota: Erros no desenho de cargos faz com que instituições públicas tenham um desequilíbrio entre cargos meio e cargos fim que efetivamente resolvem o problema da sociedade, estampado neste exemplo da charge acima. NÃO FALTA DINHEIRO PARA CONTRATAR PROFISSIONAIS, FALTA ACERTAR A DISTRIBUIÇÃO DOS CARGOS NA ESTRUTURA INSTITUCIONAL.FALTA ANESTESISTA E SOBRA CARGO EM COMISSÃO!



As competências humanas são o principal recurso que as organizações dispõem para atingir resultados e satisfazer os seus cidadãos-usuários ou clientes (CHIAVENATO, 2002). Organizações existem para e em função das pessoas. Negligenciar e desperdiçar recursos humanos é desperdiçar dinheiro, reduzir possibilidades de resultados e baixar a qualidade dos serviços públicos. “Coincidência ou não, há uma visível conexão entre desperdício, frustação, subutilização e subdesenvolvimento dos recursos humanos do setor público e a crise do estado, deteriorização da administração dos serviços públicos brasileiros.” (GURJÃO, 1996, p. 30)

Negligenciar significa não aplicar ou aplicar de forma insuficiente práticas e instrumentos de gestão de pessoas. 34% dos municípios paranaense possuem Plano de Cargos, Carreira e Salários regulados para os trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (SETP, Relatório do Monitoramento, 2010).

Por outro lado a existência de instrumento não garante que aqueles órgãos gestores tenham os seus processos de trabalho bem organizado e distribuído através de cargos, pessoas aplicadas adequadamente nos cargos, equidade salarial interna e externa, salários competitivos para atrair e manter pessoal qualificado, condições de incentivar e promover o desenvolvimento profissional e pessoal de seus trabalhadores, condições de elevar o nível motivacional de seu pessoal para auto-realização, resultados organizacionais, qualidade dos serviços e satisfação das necessidades e direitos dos usuários em decorrência da provisão, aplicação, manutenção e desenvolvimento de seus recursos humanos sintetizados no Plano de Cargos, Carreira e Salários - PCCS. (RESENDE, 1999, p. 10; PONTES, 1987, p. 200)

Para que o PCCS atinjam o seu objetivo é necessário elaborá-lo e implementá-lo como um importante, mas não único, instrumento dos processos de trabalho de provisão, aplicação, manutenção e desenvolvimento de recursos humanos. É necessário integrá-lo a outros instrumentos de gestão de pessoas, entre eles o planejamento estratégico de pessoas, plano de capacitação, política de avaliação de desempenho, bem como integrá-lo ao planejamento estratégico organizacional, plano municipal de assistência social e plano pluri-anual no contexto do SUAS.

A qualidade daqueles instrumentos e processos integrados, com sua coerente aplicação na prática, determinarão o sucesso ou fracasso do PCCS (RESENDE, 1999, p. 12). Logo o PCCS não é um fim em si mesmo e nem deriva do nada. Faz-se necessário discutir cada componente do PCCS antes de propor e discutir um modelo que possa ser aplicado no contexto do SUAS.

Os produtos e serviços são resultados do processo de trabalho humano a milhares de anos. O trabalho não é o único componente dos produtos e serviços, mas é o componente determinante, principalmente em relação aos serviços. Diante de tal relevância, como organizar, aplicar e desenvolver a força de trabalho humana alinhada com as necessidades e direitos dos usuários, gerando resultados estratégicos para a organização e sociedade? Os cargos são parte dessa resposta.

Acolhimento institucional é um serviço da política de assistência social. Se fosse possível decompor este serviço aplicando técnicas adaptadas de engenharia reversa, o resultado seria uma lista de componentes organizados e integrados através de um complexo processo de trabalho. O acolhimento institucional na sua essência, assim como todos os demais serviços, é um composto de aquisições e benefícios, derivados de conhecimentos, habilidades e atitudes (recursos humanos), recursos materiais, financeiros e tecnológicos, organizados e aplicados sob a forma de processo de trabalho, por sua vez dividido em tarefas, atividades, funções, cargos, grupos ocupacionais, setores.

Seguindo o contexto acima, cargo é uma parte de processos de trabalho maiores, bem como a soma de unidades de trabalho menores (tarefas, atividades, funções). “Cargo é a aglomeração de todas as tarefas e funções atribuídas ao seu ocupante (...). É um composto de deveres e responsabilidades...” (KNAPIK, 2008, p. 165)

As responsabilidades de um cargo podem perpassar diversos processos de trabalho. Por esta característica a vinculação de cargos enquanto unidade de um todo maior é organizacional. Chruden e Sherman Jr. (1963, apud CHIAVENATO, 2002, p. 304) conceituam cargo como “... unidade da organização que consiste em um grupo de deveres e responsabilidades que o tornam separado e distinto dos outros cargos.” Os órgãos gestores municipais da política de assistência social possuem muitas e diferentes responsabilidades na execução dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais. Essas grandes responsabilidades precisam ser organizadas e distribuídas pelas unidades de responsabilidade. Os setores, divisões, grupos e coordenações são unidades de responsabilidade coletivas, compõem os primeiros níveis hierárquicos de responsabilidades. Os cargos são unidades de responsabilidade individual e compõem o último nível hierárquico.

Os cargos podem ser agrupados para compor grupos ocupacionais ou classes. “Grupo ocupacional é o conjunto de cargos que se assemelham quanto a natureza do trabalho.” (PONTES, 1987,p. 26). No entanto este agrupamento não compõe outra unidade organizacional de responsabilidade. As tarefas, atividades e funções que o trabalhador desempenhar são relacionadas ao cargo e não ao grupo ocupacional. O objetivo de agrupar cargos é criar viabilidade técnica e operacional, bem como equidade interna quanto a política salarial. Chiavenato (2002, p. 376) assim cita os objetivos deste agrupamento “... ordem de classes, as quais podem ser usadas como base para um sistema de remuneração.”

Como compor o conjunto de responsabilidades de um cargo?

O primeiro passo é descrever as tarefas, atividades e funções da organização como um todo necessárias para a satisfação das necessidades e direitos dos usuários, para o atingimento de resultados organizacionais, trata-se do alinhamento estratégico do desenho e descrição de cargos. Esta lista pode ser obtida através do processo de decomposição citado neste artigo. Definidas as tarefas, atividades e funções organizacionais, com suas respectivas exigências em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes, faz-se o desenho e descrição de cargos.

A escolha das atividades de um cargo, dentre o universo organizacional, deve levar em consideração a DISTINTIVIDADE E COERÊNCIA INTERNA. “Cargo é o conjunto de funções substancialmente idênticas quanto a natureza das tarefas executadas e as especificações exigidas dos ocupantes.” (PONTES, 1987, p.26). Se um conjunto de atividades exigir do ocupante um conjunto de conhecimentos, habilidade e atitudes diferentes de outro conjunto de atividades, tem-se como resultado no mínimo 2 cargos distintos.

Outra forma de escolher está nas delimitações legais. Existem profissões e ocupações regulamentadas. As leis que as regulamentam delimitam o campo de atuação destes profissionais, são atividades privativas que ao serem exercidas por pessoas não preparadas e registradas constitui exercício ilegal de profissão. As leis destas profissões fazem referência a atividades e não cargos, logo não adianta criar um cargo com nome diferente, mais quando de sua aplicação o ocupante realizar atividades protegidas por lei.

As necessidades profissionais e pessoais do futuro ocupante do cargo devem ponderar na decisão do desenho do cargo. O conjunto de responsabilidades não pode alienar o trabalhador e fazer deste um simples recurso produtivo, que executa tarefas operacionais, sem ou com baixo nível de atividade intelectual, tarefas simples, repetitivas e facilmente treináveis; características do modelo tradicional de desenho de cargos (CHIAVENATO, 2002, p. 272). Os cargos de nível médio dos setores meio dos órgãos gestores municipais são os mais vulneráveis a cometer este exagero de tarefas operacionais. A enfâse dada a tarefa e a eficiência podem provocar consequências como desperdício de competências humanas que a tecnologia não substitui. A ponderação para as necessidades do futuro ocupante do cargo faz parte do MODELO CONTINGENCIAL de desenho de cargos. “No modelo contingencial convergem três variáveis: a estrutura da organização, a tarefa e a pessoa que irá desempenhá-la.” (CHIAVENATO, 2002, p. 279).

O processo de descrição de cargos, em termos gerais, é assim descrito por Chiavenato (2002, p. 303-304) “... detalhamento das atribuições ou tarefas do cargo (o que o ocupante faz), a periodicidade da execução (quando faz), os métodos empregados para execução dessas atribuições ou tarefas (como faz), os objetivos do cargo (porque faz).”

Após a descrição é feita a análise do cargo, quais os requisitos que o cargo exige de seu ocupante. Chiavenato (2002, p. 310) relaciona 4 categorias de requisitos: mentais, físicos, responsabilidades envolvidas e condições de trabalho. Na versão de Knapik (2008, p. 126) a categoria mental e física de Chiavenato é substituída pela integração entre o modelo de gestão por competências com o processo de descrição e análise de cargos, os requisitos a serem analisados são o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, formando competências necessárias para desempenhar as responsabilidades do cargo. Ainda segundo a autora 5 (cinco) é o número máximo de competências mapeadas para cada cargo. As especificações das responsabilidades envolvidas podem ser quanto a informações confidenciais e estratégicas, máquinas, equipamentos, materiais e produtos de alto valor, responsabilidades por dinheiro, relações importantes (usuários, parceiros, fornecedores), por supervisão ao trabalho de outros funcionários, por segurança de terceiros, por erros. Os requisitos quanto a categoria condições de trabalho envolvem, principalmente, a higiene e segurança do trabalho.

Decidir quantos ocupantes cada cargo necessitará frente as demandas de trabalho é outra decisão estratégica que pode ser amparada por outros métodos e instrumentos de gestão. Estudo de tempos e movimentos, técnica delphi, análise de tendências, análise de fluxo de pessoas, análise de necessidades do cliente (usuário) são alguns exemplos de métodos (MENDIETA; MATUTE, 1997, p. 171-177). No entanto o foco deste artigo é o cargo em si enquanto componente do PCCS.

Resumindo, cargo é um meio de organizar e distribuir o trabalho nas organizações, bem como de aplicar as pessoas nestes mesmos processos de trabalho.

Cargos Existentes na SEDS e Normatizados no Âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS

A resolução do Conselho Nacional de Assistência Social nº 17 de 2011 retifica as equipes de referência necessárias para executar os serviços socioassistenciais e para realizar a gestão do SUAS. Equipes de referência são os cargos normatizados pelo SUAS. Psicólogo, assistente social, advogado, pedagogo, administrador, contador, economista, sociólogo, antropólogo, economista doméstico, terapeuta ocupacional, musicoterapeuta são os cargos de nível superior, chamados cargos técnicos, relacionados as profissões regulamentadas. No entanto a respectiva resolução, bem como a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB/RH não traz a descrição destes cargos. Quais são as atribuições e quais são os requisitos para o cargo antropólogo? Existem conflitos e dúvidas quanto ao papel e até a necessidade de existir determinados cargos. O advogado dentro do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS pode peticionar? O psicólogo vai fazer atendimento terapêutico? Os instrumentos de gestão são responsabilidades do Administrador?

A lei estadual nº 13.666 de 01/07/2002 que institui o quadro próprio do poder executivo do estado do Paraná – QPPE assim conceitua cargo “unidade funcional básica da estrutura organizacional, de caráter genérico [grifo nosso], de mesmo grau de complexidade ou responsabilidade, composto por uma ou mais funções relacionadas ao desempenho de tarefas da área de atuação estatal.”. São três os cargos existentes no QPPE: agente profissional, agente de execução e agente de apoio, que têm como requisitos de formação respectivamente: nível superior, médio e fundamental. Administradores, psicólogos, advogados, médicos e outras profissões são consideradas funções de um mesmo cargo. Os cargos do governo do Paraná são os grupos ocupacionais ou classes da bibliografia consultada neste artigo. São extremamente distintas as responsabilidades e requisitos para o exercício da administração e da medicina, logo cargos diferentes. Nota-se que o conceito de função nesta lei é o mesmo conceito de cargo nas bibliografias consultadas: “conjunto de atribuições vinculadas a habilitação correspondente, de caráter específico [grifo nosso] para o desempenho de tarefas em um cargo de mesmo grau de complexidade ou responsabilidade.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BRASIL. Lei nº 12.435 (2011). Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Brasília, DF, 2011.
CHIAVENATO, I. Recursos Humanos: edição compacta. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
CHIAVENATO, I. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Resolução nº 17 (2011). Ratifica as Equipes de Referência da NOB/RH. Brasília, DF, 2011.
GURJÃO, P. Banco de Potenciais Humanos: gestão estratégica de RH. São Paulo: Editora Gente, 1996.
HACK, É. Noções Preliminares de Direito Administrativo e Direito Tributário. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. Curitiba: IBPEX, 2008.
KNAPIK, J. Gestão de Pessoas e Talentos. 2 ed. Curitiba: IBPEX, 2008.
LIBERA, M. C. D. Carreira em Y e Retenção de Talentos: reconhecer as diferenças entre especialistas e generalistas contribui para atração e retenção de talentos. Revista BSP. São Paulo, v. 2, n. 2, jul. 2011.
LIMA, R. O. F; SILVA, E. P; CALVOSA, M. V. D. Uma Visão sobre Carreira dentro da Estrutura Organizacional em Redes. Revista Cadernos de Administração da UFRRJ. Rio de Janeiro, v.1, n. 2, jul-dez 2008.
MENDIETA, M. V; MATUTE, E. D. P. Manual de Gestión de Recursos Humanos en las Administraciones Públicas. Madrid: Tecnos, 1997.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME. Censo SUAS 2010. Brasília, 2011.
ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE; MINISTÉRIO DO ORÇAMENTO, PLANEJAMENTO E GESTÃO. Relatório OCDE: Brasil 2010. Brasília, 2010.
PARANÁ. Lei nº 13666 (2002). Institui o Quadro Próprio do Poder Executivo. Curitiba, PR, 2002.
PONTES, B. R. Administração de Cargos e Salários. São Paulo: LTr, 1987.
RESENDE, E. Remuneração e Carreira Baseadas em Competências e Habilidades. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.

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